Vocês se lembram do nosso colaborador A.C.Manjak? Ele já tem uma resenha publicada aqui no blog e que vocês podem conferir em Resenha - Devorados de Cardoso, Lemos e Gotland.
Mas hoje ele nos presenteia com um conto próprio. E vocês vão poder ler esse material aqui mesmo no blog.
Sem mais delongas, apresentamos o conto "Resposta Tardia"
Austrália, 11 de Abril de 2022
Era uma segunda-feira típica. Me levantei às seis e treze da manhã, fiz a barba, escovei os dentes e me vesti.
Grace se levantou também e foi arrumar as crianças. Enquanto isso, preparei a cafeteira e liguei a TV
para ver as notícias.
O cheiro das panquecas invadiu a casa e Estelle se sentou primeiro. Asher veio depois. Apesar de
dois anos mais jovem, já era maior que sua irmã.
-- E aí pai, você vem no jogo de Rugby sábado? Vamos enfrentar uma escola da capital.
-- Sério filho? Que legal! Acho que vou sim.
-- De verdade? Porque semana passada você não foi.
-- Desculpe filho, mas estamos tendo uns problemas com a antena principal, não posso prometer
nada. Mas se conseguirmos resolver estarei lá
-- Se eu fosse você nem esperava - Estelle ironizou
-- Não fale assim do seu pai filha, você sabe que ele tem um cargo muito importante no observatório
e precisam dele lá.
-- Precisamos dele aqui também mãe, afinal, nós somos, tipo assim, uma família né?
Ash ameaçou uma risada sarcástica. Ele tentava se mostrar forte para irmã, mas mal sabia ele que
as mulheres conseguem farejar insegurança a quilômetros. Todavia ele era jovem, ainda aprenderia.
Peguei duas torradas, passei bastante vegemite e embrulhei, lá pelas nove horas eu comeria, se
desse tempo.
Grace me acompanhou até a porta, logo também ela estaria saindo para o trabalho.
-- Querida eu…
-- Eu sei Ethan, você sente muito…
-- Sim é que…
-- Você está no emprego dos seus sonhos e tem muitas responsabilidades..
Abaixei a cabeça envergonhado.
--Acho que já tivemos essa conversa muitas vezes não é mesmo?
--Sim querido, toda as segundas-feiras dos últimos dois anos. Desde que você conseguiu esse
emprego no SKA.
Olhei para seus lindos olhos verde-esmeralda e, quando estava prestes a beijá-la, Max pulou em cima
de nós, fazendo com que eu perdesse o equilíbrio por um instante. Grace riu. Eu realmente não a
mereço.
O labrador abanava o rabo de maneira exultante e olhou para mim daquele jeito que só os cães
sabem fazer. Apesar de eu quase ter caído, não conseguia ficar nervoso com ele.
--Tenho que ir agora garotão, quando voltar a gente dá um passeio.
O cão latiu alegre como se entendesse, no entanto, sei que talvez eu não honrasse minha promessa.
Entrei no meu carro e segui em direção ao trabalho, meia hora de estrada depois, cheguei ao meu
destino. O porteiro me cumprimentou com sua costumeira cordialidade.
--Bom dia doutor Harris !
--Bom dia Bill!
--Chegou cedo, como sempre!
--É que amo meu trabalho!
--Assistiu o jogo dos Wallabies ontem?
--Não consegui, Bill, me tranquei no escritório com uns papéis e quando dei por mim já era tarde da
noite.
--Uma pena, foi um jogão! Até mais doutor Harris!
--Até amanhã Bill.
Andei pelos corredores bem iluminados e limpos. Pouco tempo depois estava na minha sala.
Olhei para a minha mesa, sempre bem organizada, e lembrei que esse meu jeito sistemático sempre
foi motivo de bullying durante o tempo de escola. Sofri claro, mas nunca reagi, minha vingança veio
pela mão do Tempo. Tornei-me um cientista de nível mundial enquanto muitos dos meus agressores
hoje se encontravam na fila do seguro social. Tenho um ótimo emprego e uma linda família, o que
mais podia querer?
Respostas
Mesmo estando à frente do mais poderoso radiotelescópio já criado pelo Homem, ainda continuávamos
sem o esperado breakthrough na busca de vida interestelar.
Vasculhamos todos os exoplanetas mais próximos e tínhamos sempre as mesmas leituras: Hidrogênio,
Hélio, Ferro, Neônio, um pouco de Carbono com sorte… Água em estado líquido? Nada concreto ainda
… Só estimativas… Especulações e uma boa dose de otimismo de meus colegas... Principalmente o
Bragança.
Lucas Bragança era o mais entusiástico entre nós. Brasileiro nascido na cidade litorânea de Peruíbe,
ele conseguiu sua posição após um espartano processo seletivo global. Apesar da pouca idade,
Lucas era um dos melhores astrofísicos que já conheci. Sua capacidade de raciocínio só podia ser
equiparada ao seu amor pela vida e a sua alegria contagiante. Num momento lá estava ele conjecturando
sobre quarks, múons e campo quântico e, no seguinte, convidando suas paqueras da rede social
para surfar em Byron Bay. De certa forma eu o admirava: era mais jovem e sociável do que a maioria
daqui. “É o jeitinho brasileiro sr Harris, as gatas gostam”. O garoto me fazia rir.
Acendi meu cigarro e observei pela janela. Quanto tempo ainda iria demorar?
Dei uma bela tragada deixando a nicotina fazer efeito.
Por quanto tempo ainda vamos tatear a escuridão, mandando sinais ao espaço como bilhetes dentro
de garrafas? E se realmente estivermos sozinhos no Universo? Confesso que essa possibilidade me
assustava bem mais do que o contrário.
Um estampido atrás de mim fez com que eu derrubasse meu cigarro: a porta da minha sala estava
aberta. Karen parecia desesperada.
-- Doutor Harris! Doutor Harris!!!
-- Calma, srta Wang, calma, o que aconteceu?
-- O Bragança… Ele… Ele está morto!.
-- Como assim?! sofreu um acidente no final de semana?
-- Não, sr Harris, a polícia diz que foi suicídio.
-- Deve haver algum engano… O Lucas jamais faria uma coisa dessas!
-- Não há engano, senhor… Eu mesmo reconheci o corpo.
Tentei disfarçar o choque. Karen e Lucas mantinham um affair inconstante desde que ele veio do
Brasil, com certeza ela não poderia estar enganada a respeito da identidade do morto.
Ajudei com a papelada e paguei do meu bolso o envio do corpo à sua terra natal. É o mínimo que pode
ria fazer pelo rapaz. Lembro-me de ter prometido à mãe que cuidaria dele quando nos falamos pela
última vez ao telefone. Seu inglês não era muito bom, mas o Lucas deu uma ajuda. Dispensei a equipe
para ir à cerimônia simbólica e dei um dia de folga à srta Wang, afinal, nós da Ciência também temos
sentimentos.
Voltei à instalação, e, aproveitando minha solitude, pus-me a inquirir o material no qual ele estava
trabalhando.
Bragança estava analisando um lote de dados que havia sido coletado na última semana. Ele parecia
intrigado com o que ele havia chamado de “anomalia” em um setor próximo ao nosso sistema solar.
Por algum motivo não estávamos mais recebendo sinais de uma parte do céu perto da constelação
de Libra. Em todos os comprimentos de onda que buscássemos, o resultado era sempre o mesmo:
nada. Era como se ao olhar para uma árvore de natal de repente uma parte dela apagasse. Com
certeza deveria ser algum erro de calibração em nosso equipamento.
Lembro que mandei ele fazer um duplo cheque e cruzar os dados com o telescópio de Arecibo, mas
a equipe do aparato porto-riquenho estava com o mesmo problema.
Falei com o dr. Vitalij em Pulkovo e para meu desgosto eles confirmaram minhas suspeitas.. Em todo
o mundo um setor inteiro do firmamento estava sumindo dos instrumentos. A anomalia se alastrava
pelo céu conhecido como tinta nanquim se difundindo na água.
Já perdi a conta de quantos cigarros eu fumei nas últimas dezoito horas, mas foi um número bem
maior do que a última semana inteira.
O secretário de defesa da ONU e a NASA estavam no meu pé, tirei o telefone da tomada e deixei o
celular em modo silencioso. Preciso pensar! Preciso pensar!
Minha cabeça doía... Já foram mais duas garrafas de café e o cigarro acabou. Minhas mãos começara
m a tremer e eu já apresentava irritabilidade acima do normal.
-- O que é isso tudo? Não faz sentido!
O fenômeno podia ser visto em tempo real, a anomalia se expandia a uma velocidade muitas vezes
superior à velocidade da luz !? Como isso é possível?
A princípio imaginei se tratar de um gigantesco buraco negro, mas não havia alteração orbital nas
estrelas próximas. Quando muito, a gravidade em volta da anomalia parecia diminuir ao invés de
aumentar!
Não faz sentido, nada disso faz sentido... Einstein, Hawking… Ninguém jamais previu algo assim.
Mas que droga é essa? Que diabos estava acontecendo?
Olhei para meu celular e vi que minha esposa havia ligado. Umas vinte vezes. Talvez se eu falasse
com ela eu conseguisse relaxar um pouco e pensar melhor… durante meus momentos de crise,
sempre foi ela que me conduziu...
-- Oi amor, sou eu.
-- Ethan, pelo amor de Deus, vem pra casa. Eu e as crianças precisamos de você nesse momento...
Ela tinha uma melancolia embargada na voz.
-- Como assim, Grace? Já falei que estou no meio de um negócio muito importante, você não faz ideia
... A NASA, a ONU, o presidente… Está todo mundo no meu pé atrás de respostas,e como se não
bastasse, astrônomos amadores já começam a espalhar boatos pela Internet, eu simplesmente não
posso sair daqui agora!
-- Eu sei querido, eu sei o que está acontecendo.
Senti um calafrio e fiquei paralisado por poucos segundos, tentei desconversar.
-- Co-Como assim querida? O que você quer dizer com isso?
-- O doutor Joshua do SKA na África te passou uma mensagem, disse que não estava conseguindo
falar com você e era muito importante, eu não aguentei a curiosidade e abri usando sua chave de
criptografia... Te enviei faz mais de meia hora...
O Josh era o chefe de pesquisa das instalações de alta frequência na África, e nos conhecíamos
desde a época do mestrado, era um bom amigo.
Abri o e-mail encaminhado por Grace:
Prezado Ethan,
Sempre imaginei que quando fosse dar essa notícia estaria lhe convidando para tomar o scotch
do meu avô, reservado para “aquela” ocasião especial, mas acho que não vai dar, já tomei a
garrafa toda.
Na semana passada terminamos a análise de um lote de sinais de Gliese 832c e sim, Ethan,
fizemos contato.
Mas não era uma mensagem de saudações, que inauguraria uma nova era de prosperidade e
conhecimento para a Humanidade. Ah, velho amigo, o que chegou a nós veio como um mau
agouro, derradeiro e infelizmente inoportuno. Leia você mesmo:
Habitantes do planeta chamado Terra
O Vazio está consumindo todo o Universo
As galáxias mais antigas não existem mais
Logo chegará ao nosso sistema.
É o fim
Fechei meu laptop e debrucei a cabeça sobre ele, chorando. Com a velocidade em que o
fenômeno se alastra, acho que não resta muito tempo.
Saí sem arrumar a mesa e pela primeira vez na vida isso não me incomoda.
Era alta madrugada e saí rasgando o asfalto, a única coisa que eu queria naquele momento era
chegar em casa, ficar com minha família e meu cachorro.
É isso aí! Gostaram? Então deixem seus comentários com opiniões para o autor e também compartilhem
o material para que mais pessoas possam ler.
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Até a próxima!
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